Erasmo Figueira Chaves
Falta de fé ? Fidelidade? Ou arrojada vontade a criar civilidade?
Eram os ares do novo mundo
a que já nenhum poder podia mais corromper ! . . .
Foram ilusões, certezas, insanas lutas,
longos e maquinados sonhos de grandeza
e liberdade, aspirações sinceras, emulação ou puras ilações, visões proféticas a sugerir novas nações ? . . .
Foram valores, valores, valores sim, caldeados enfim em bolores e fulgores de angustiada , infinita e ansiada espera ,
germinados sigilosa e sub-repticiamente em cadinho
de
horrores indescritíveis, deglutidos no burburinho de vozes, de cheiros
fortes e odores brotando espontâneos de poros e suores de gente
colorida,
mesclada,
sofrida, brutalmente hostilizada e ferida no mais íntimo , ínfimo e
magno valor ou virtude, insultada no seu ego natural e na massa
musculosa e forte submetida ao tronco e grilhões, da senzala. Dores
morais, imorais, sutis, dores físicas, frias, finais, febrís, reais,
intermináveis. Dores incríveis, mitigadas apenas na bondade da fé, no
olhar carinhoso e conformado da mãe preta, voz lacrimosa, entoação
dolente, olhos na cruz sacrificiante, suplicantes à
gratidão
de poucos justos e de alguns “inconfidentes”, na ilusão de lealdade a
ideais ou esperanças ao perdão da própria culpa, culpa de não saber
de que culpa se culpavam. E a derrama? A frustração ao saber que a
derrama já não se derramaria e o sofrido povo não se levantaria . . .
Foram
chicotadas e chicotadas de chicotes, crueldade trespassando carnes e
respingando sangues sobre olhares e faces hirtas, de olhos
esbugalhados, incrédulos, corações exaltados a desgarrar-se sem atinar
ao certo se era dantesco castigo aberto à alma sofredora, - tão perto de
outras almas gêmeas compungidas a repelir no íntimo essa barbárie e a
testemunhar silenciosa ou em névoa de lágrimas, gritantemente ao vivo,
ou ainda em contrito segredo, o indizível, - ou postigo a trancar para
sempre consigo aspirações da mente, da alma e corações libertos? Se a
única aceite e indiscutível verdade era a do dono, senhor dos corpos,
dos metais e consciências, a fazer das aparências o gáudio de suas
Excelentíssimas Excelências , não restava mais o mínimo de nada , que o
grito cristalino, belo e glorioso da Inconfidência , arrancado tão
bravamente à carne e alma dos oprimidos que sofrem e clamam desde sempre
ao infinito:
“LIBERTAS QUAE SERA TAMEN”
21 DE ABRIL DE 1999