Mário Azevedo Alexandre
O dia estava lindo, um verdadeiro dia de verão, muito calor, eu caminhava pela Rua Dr. Cochrane, passando pelo Mercado e observando as casas e construções antigas e algumas mal conservadas, muitos indigentes e maltrapilhos pelas calçadas pedindo auxílio, enquanto algumas crianças jogavam bola na calçada de uma firma recém fechada.
Olhando de um lado para outro, diziam que o local era perigoso e os bandidos assaltavam mesmo os pedestres, de fato é um lugar, não muito recomendado, principalmente à noite, porém como era de dia, continuei a caminhada, e logo estava de frente ao grande arco com dizeres em latim In pace in idipsum dormiam et requiescam “, que traduzindo Descansem em paz os que dormem eternamente, estava de frente ao Cemitério do Paquetá.
Entrei sozinho naquele ambiente lúgubre e frio, talvez nem o canto dos pássaros aliviavam aquele silencio, apenas vi um gato preto, sentado numa sepultura, olhando para mim, com olhares suspeitos, fui andando, olhando para os lados, o sol penetrava por entre as arvores e jazigos enormes, anjos e arcanjos, nenhuma alma viva naquele cemitério, um silencio que dava medo, quando ouvi umas vozes, um tanto rouca, aproximei-me e confesso que tremi um pouco, parecia que as vozes declamavam versos, parei e fiquei ouvindo aquele, não sei se era um lamento ou uma forma de se expressar, mas confesso que era lindo, palavras soltas ao vento e versos rimados, mais adiante novamente belos versos se diluíam no ar com certa melancolia.
De repente um silencio, caminhei mais um pouco, alguns metros depois, o mesmo gato preto atravessou na minha frente, ouvi vozes novamente, parecia alguém fazendo um discurso, falava de democracia, de ética e menos corrupção, dizia ser político e sua maior vontade era fazer de Santos uma cidade grande, com mais valores, e um povo digno de seus governantes, não fazia promessas, até estranhei, ouvindo um politico não prometer nada, mas ouvi atentamente seu discurso simples e objetivo.
A voz foi sumindo, o sol já se escondendo e eu naquele ambiente solitário, apenas com os mortos, que transmitiam algumas mensagens, que não soube definir bem o que representava, caminhando por entre as sepulturas, algumas enormes, não ouvi vozes dessa vez, apenas numa sepultura uma moldura branca, e aos poucos um pincel deslizava sobre a tela, com cores vivas, foi desenhando algo fantástico, como se fosse um pincel mágico, com traços marcantes, observava bem os limites que um artista tem, olhando para trás, vi que o gato preto, me acompanhava, com olhos grandes, observava aquele painel transformar-se em um lindo quadro.
Creio que eu estava deslumbrado naquele espaço, onde não há vidas, apenas sepulturas, e boas lembranças de entes queridos, será que eles transmitem algumas mensagens ? depois de mortos; o espírito não fala, talvez nem Freud explica, ou mesmo o espiritismo tenha uma resposta para tal.
Já passava as horas e achei por bem ir embora, naquele momento em que estive lá, nenhuma alma viva apareceu, e para minha surpresa, ao sair o porteiro me cumprimentou e perguntou se eu gostei do cemitério, disse ser muito bonito e grandioso, você chegou a visitar a sepultura de Martins Fontes, Vicente de Carvalho, Mario Covas, Benedito Calixto, Joaquim Xavier da Silveira, Quintino de Lacerda, Paulo Gonçalves, Cleóbulo Amazonas Duarte, Fabio Montenegro, Francisco Martins dos Santos e Julio Ribeiro são pessoas importantes de nossa região, e segundo a lenda, dizem que as pessoas iluminadas conseguem ouvir suas vozes e até ver molduras sendo pintadas por Benedito Calixto.
Agradeci ao porteiro e sai feliz daquele cemitério, que para mim era um reduto de gênios da literatura, pintura, política, educadores, etc. e sai mais feliz ainda em saber pelo porteiro, que sou uma pessoa iluminada....
Caminhando pela Rua Dr. Cochrane, fiquei deslumbrado em ter visto a sepultura de Fabio Montenegro, que em nossa Academia está bem representada pelo acadêmico brilhante Peilton Sena, que muito honra o seu patrono, com suas poesias e performances, mostrando a poesia viva e atuante nos dias atuais.
MARIO AZEVEDO ALEXANDRE, nasceu em São Vicente, onde reside, pertence a várias entidades culturais da região, diretor da Academia Paulistana Maçônica de Letras, em São Paulo, autor dos livros “Renascer de um sonho” (poesias) “São Vicente, pétala do Oriente” (haicai), “Crônicas Recolhidas e Escolhidas” e “ O futebol na minha vida” (crônicas), atualmente tesoureiro da Academia Santista de Letras.
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