Erasmo Figueira Chaves
Angústia moderna foi a titulação sugerida para exercício de nosso intelecto e de nossa consciência, nos tempos que nos cabe vivenciar, sentir, pensar, ponderar e responsávelmente elucubrar, rodeados no emaranhado sutil e complexo de uma realidade tantas vezes caótica, órfã de valores congruentes e armônicos, eivada de certo ufanismo imediato ou de ligeira condescendência individual com a demagogia utilitária, publicitária e sobretudo o deplorável oportunismo político. Diferirá a moderna angústia da angústia de todos os tempos? Em que diferiria a angústia contemporânea de qualquer outra angústia, em qualquer outro tempo, seja ela a do inferno astral dos políticos ímprobos, a do estertor dos sistemas, a das novelas engendradas na busca de sucesso a qualquer preço, ricas de adornos, modernas tecnologias e esplendor, mas grosseiramente deformantes, de temas rebuscados e acéfalos, visando primeiramente ibope, sem respeito à sensibilidade culta ou a padrões de formação ética, à inteligência, à responsabilidade e tolerância da cidadania pensante e digna, a da esperança vã posta em inconsistentes ídolos e sonhos balofos, a de um povo constantemente frustrado ou enganado, aos efeitos da rebelião sincronisada do banditismo, de presos e penitenciárias, a do emprego instável e insuficiente, a da incerteza do rumo, dos “direitos humanos” às vezes desrespeitados, mas tantas vezes transmutados em deshumanidade na pessoa imprópria, do cambio, do inferno de Dante ou de qualquer personagem e simplório cidadão em sua incógnita de vida diária impregnada de incertezas, dúvidas e agruras, ou da angústia de Job ?
Certamente a “angústia moderna” está estimulada e caracterizada frente a tecnologias avassaladoras, sejam as das fantásticas máquinas robotorizadas da indústria que substituem o homem, trazendo-lhe a angústia inevitável e sub-sequente, sejam as da comunicação instantânea que assoberba, informa, avassala, extravasa em explosão incontida, notícias e conteúdos sem conta, irrompendo aos borbotões pela mente e relação de convivência humana com as mais tétricas e desesperadoras notícias de todo o globo terráqueo, sejam cataclismos atmosféricos, tsunamis, desastres, golpes de estado e financeiros, corrupções em profusão aqui e ali e a diário, quadrilhas sorpreendidas na prática do crime a cada hora do dia, assassinatos, falcatruas, tráfico de drogas e de influência, bombas dos que se auto-explodem e flagelam em corpos de vocacionados ou equivocados “mártires” matando-se e instantâneamente levando consigo dezenas ou centenas de circunstantes inocentes, nada vocacionados às noções erráticas de martírio ou ódio do tresloucado ou convicto terrorista. São parâmetros, medidas, pretensas vinganças de sociedades “humanas” (entre aspas,) inconformadas por prioridades e urgências absurdas, adotadas e patrocinadas por esfarrapadas justificações sem ética, por objetivos atabalhoados e sofreguidão sem diálogo, padrões de sucesso inalcançável e vantagem a qualquer custo. São sociedades em que os “Deuses estão mortos”, substituídos por ídolos de pés de barro ou meramente confundidos com os objetivos, propósitos e ambições políticas humanas, impregnadas de obtuso, ilúcido, inculto e desmedido egocentrismo.
A dor, sufocação e angústia, acicate de quem vê, ouve, intui e sente, nuances, matizes e verdade, que entretanto obnubila, anula, infelicita ou realiza dimensões imponderáveis, é a mesma em Abrahão, Montezuma, Jacob, Guatemoc, Castro Alves, Tupac Amaru, Tiradentes, Cristo, Madalena, Paulo, Helena, Joaquim Gonçalves Ledo, Mariana,
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Giovani Bruno, Joana D’Arc, Ghandi, de ordas escravizadas levadas ao tronco, e todos aqueles humanos seres de digna estatura, participantes das maiores crises morais da história, ( como a que agora vivemos em nosso grande país, com apagada e nebulosa liderança) que através dos séculos pagaram o preço das ambições desmedidas de homens e nações, desconsiderando sua missão vivencial ante a verdade, incógnitas, revolta, renúncia, conformação, humildade, valor e protesto de seres dotados pelo espírito de superação à ignorância e estupidez humana, votados em sincera gratidão pela vida virtuosa na ação, no trabalho, na construção, na oração pelo pão de cada dia, ansiedade e luta de todos os tempos do homem de carne e osso, tão bem expresso na bela angelical representação pictórica “Angelus” do francês Millet, ou no dizer vigoroso do grande pensador e humanista espanhol Dom Miguel de Unamuno, em seu extraordinário “Do sentimento Trágico da vida”: “Homo su; nihil humani a me alienum puto, disse o cômico latino. Eu diria melhor: nullum hominem a me alienum puto; sou homem, e como estranho não considero outro homem. Porque o adjetivo humanus é para mim tão suspeito como o substantivo abstrato humanitas, a humanidade. Nem o humano nem a humanidade, nem o adjetivo simples, nem o adjetivo substantivado, mas apenas o substantivo concreto: o homem. O homem de carne e osso, aquele que nasce, sofre e morre – sobretudo o que morre -, aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e quer, o homem a quem vemos e ouvimos, o irmão, o verdadeiro irmão.
Porque existe aí outra coisa, a que também chamam homem, e constitui pretexto para não poucas divagações mais ou menos científicas. E vem a ser o bípede implume da lenda, o zoon politikon de Aristóteles, o contratante social de Rousseau, o homo economicus dos manchesterianos, o homo sapiens de Lineu, ou se assim o quiserem, o mamífero vertical. Um homem que não é daqui ou dali, nem desta época nem doutra, que não tem sexo nem pátria, o homem pura idéia, tudo menos um homem.
O nosso homem é o homem de carne e osso; sou eu; és tu, ouvinte e leitor; e aquele outro de mais além, somos todos nós os que pisamos a terra.
E este homem concreto, de carne e osso, é o sujeito e o supremo objeto de toda a filosofia, quer o queiram ou não certos pseudo-filósofos” . . .
. . . “ Confessava-me um amigo que, prevendo em pleno vigor de saúde física, a aproximação de uma morte violenta, pensava em concentrar a vida, passando, durante os poucos dias que ele calculava viver ainda, a escrever um livro. Vaidade das vaidades!
Se na morte do corpo que me sustenta, e a que eu chamo meu para o distinguir de mim mesmo, a consciência volta à inconsciência absoluta donde ela saiu, e se o mesmo acontece à de todos os meus irmãos em humanidade, então a nossa laboriosa raça humana não passa de uma fatídica procissão de fantasmas, que vão do nada ao nada, e o humanitarismo é o que de mais inumano nós podemos conceber.
E o remédio não é o da copla que diz:
Cada vez que considero
Que me tengo de morir
Tiendo la capa en el suelo
Y no me harto de dormir.
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Não! O remédio é olhar a Esfinge, cara a cara, os nossos olhos nos dela, sendo esse o processo de destruirmos o malefício de seu olhar.
Se de todo morremos por que viver? Porquê?
É o porquê da Esfinge, é o porquê que nos corrói a medula da alma, é o pai da angústia que nos dá o amor da esperança.” . . .
Com estas advertências e agudas ponderações de Unamuno acima, podemos facilmente dar-nos conta de que esta temática da “angústia,” não é anátema, mas desafio, não é uma tecnologia ou arte a aprender, disponível no mercado da educação de como precaver-se ou defender-se, para qualquer um, ou porque a nossa inteligência nos diga ser interessante ou conveniente aprendê-la, perscrutá-la em sua gênese, acaso injustiça, conseqüência, mas é sobretudo uma QUALIDADE, perfeitamente passível de ser compreendida desenvolvida, principalmente pelas condições de natureza psíquica ou de visão espiritual e cultural, que porventura possuamos todos, mas adormecida, não treinada, todos os seres humanos, não necessariamente só os que possuam conhecimentos gerais aprofundados ou específicos sobre áreas determinadas ou que sejam detentores de cultura genérica ou erudita.
Angústia moderna ou antiga. Qual a diferença? A consciência da sua presença tão ágil e próxima em nosso psiquismo é o que nos tem que mover a derrubar injustiças pela ação que a lei nos propõe e dispõe. Pela compreensão de nós mesmos, pela inteligência dos mecanismos de interdependência, pelo sentido de justiça, de responsabilidade e análise serena e lúcida dos acontecimentos e de como eles afetam e influem em nosso egocentrismo.
Poderão singrar com sucesso, este lúcido e estimulante caminho, apenas e todos, os que tenham e queiram desenvolver uma visão espiritual e ética da existência, em busca de evolutiva consciência coletiva, aperfeiçoando-se e aperfeiçoando os meios ao seu dispor. Não importa o lugar ou sociedade a que pertençamos, seja ela a sofisticada sociedade ocidental, oriental, nórdica, sub-nutrida ou sub-desenvolvida, a sociedade “primitiva” dos selvícolas, ou a dos “scholars” de Oxford, Princeton, ou Berkeley. O importante é ver clarividentemente que a humanidade não pode continuar a viver disparidades tão grandes, quanto a abastança e desperdício de uns e a plena miséria e míngua de outros. O esclarecimento de uns e a total ignorância de outros. É preciso urgentemente considerar aspectos retrógrados em que a humanidade continua a militar e a praticar, mesmo aceitando o laicismo do ensino e, a formação democrático-republicana, como valores da civilização moderna. É preciso despertar para a clarividência do que é imediatamente prioritário e absolutamente urgente. A plena irracionalidade, embora expressão admirável do que a fé exacerbada mas fanática pode motivar, que significa a entrega sacrificiante de corpos como bombas, em troca de promessas e recompensas aliciantes na vida post-mortem, matando outros inocentes seres em holocausto a “santos propósitos religiosos ou patrióticos”. É preciso urgentemente diálogo! DIÁLOGO CLARIVIDENTE! Há prioridades a serem atendidas para a redenção de tantos males e para a dignificação humana! Os slogans e manchetes de Jornais e Revistas alertam “a radicalização religiosa está cavando um abismo crescente entre o mundo islâmico e o Ocidente” As advertências do demógrafo Paul Ehrlich podem significar lúcidas e clarividentes chamadas de atenção para os fenômenos da super-população e da pobreza nas proporções atuais: “Não há situação demográfica mais explosiva que a dos Estados Unidos. O país concentra 300 milhões de cidadãos consumindo jatos de luxo e utilitários esportivos que bebem gasolina como se fosse Coca-Cola”. E isto a algumas décadas apenas do fim das reservas petrolíferas. A camada de ozônio atingiu seu ponto crítico. O tratado de Kyoto foi uma advertência clarividente, que aparentemente é posto em compasso de espera. “No atual ritmo de crescimento econômico e com tanta gente junta, China e Índia terão papel determinante na destruição da camada do ozônio e estão arriscadas a ver doenças epidêmicas, como a aids, espalhar-se por seus territórios”. Em que pé fica a clarividência das providências urgentes reclamadas ante a claríssima equação de problemas tão radicais quanto vitais para a sobrevivência digna e aceitável da humanidade? Onde fica a dignidade humana? A ausência
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de conscientização destas problemáticas, ou o seu repúdio, é que definem provavelmente a fatalidade da “angústia moderna” .
NECESSIDADE DE CLARIVIDÊNCIA PRÁTICA:
O que nós vemos das coisas são as coisas
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir? (XXIV)
Fernando Pessoa
A carência, falta ou necessidade de clarividência prática, algo natural e espontâneo, sobretudo nos dias de hoje, está representada pela constante constatação a cada passo, das mais comuns limitações humanas, a irresponsável repetição incompetentemente constante e descriteriosa das experiências e falhas humanas, sem que a humanidade tenha aprendido com o erro, na condução inapropriada da vida pessoal, afeita apenas a gostos ou não gostos, a meros quereres e não quereres, a apetites e dependências consumistas, vícios de comportamento, vícios e dependências de drogas e crimes contra a saúde, paixões pela banalidade da moda, do consumo inútil e fútil do tempo de lazer, da despreocupação pelo equilíbrio ecológico e a qualidade de vida, da obnubilidade reinante e despreocupada pela visão inteligente, da total ausência de considerações sobre a necessidade mais urgente e básica que é o respeito e estímulo à prática da clarividência. Ou seja: coerência! O mesmo se pode dizer da vida em sociedade, das enormes lacunas no uso dos instrumentos à nossa disposição para a melhoria e crescimento das pessoas e dessa sociedade, composta dos mais diferentes níveis de compreensão e cultura, instrumentos tantas vezes manipulados para servir interesses nada pragmáticos, nem imediatos, sejam os da educação, da informação, da economia, da saúde, da sociologia, da política, da formação espiritual e ética. O conjunto de fatores básicos essenciais que constituem a estrutura e desafio para a dignidade humana. As enormes lacunas representadas pela falta de visão das prioridades, das necessidades prioritárias fundamentais, da formação do caráter, da noção ou sentido apropriado ante o desprezo pelo conceito da sacralidade da vida e da saúde, inspiram-nos ao desafio de analisar agora, alguns desses aspectos segundo o prisma do que é mais importante, agudo, prático, claro e evidente. Ou em outras palavras, segundo o prisma de quem pode ver através de uma formação cultural e espiritual, o que é lúcido e clarividente para benefício da humanidade e da sociedade em que vivemos. É razoável ou admissível em pleno século XXI conviver eternamente com a miséria absoluta? Com as guerras e guerrilhas mais irracionais e fratricidas? Com a fome? Com a carência absoluta? Com a generalização da obnubilidade da mente e da responsabilidade? Da incapacidade de pensar, lúcida e adecuadamente? Com o desconsolo da constante ausência de humildade? Com a falácia e expressões políticas de soberbia e arrogância? Com a condescendência abúlica para com a ignorância reinante e displicência a valores perenes, entre os políticos e na sociedade? Nada é certamente mais terrível que a esdrúxula combinação de inexperiência com a ignorância ! . . . Nada é mais produtor de angústia na “modernidade” que os fatores expressos nas perguntas acima descritas.
A consciência clarividente de angústia envolve portanto certa necessidade de convivência lúcida e esclarecida com a claridade e pragmatismo responsável com que precisamos ver e entender o sentido da vida e seus postulados da dignidade, para localizar a gênese da dor, ansiedade ou a própria angústia, localizá-los no devido lugar e o que isto efetivamente representa de malefício, negatividade, sufoco, tristeza, ou desafio para a realização da vida com qualidade. E depois, que fazer individualmente ante esse enorme desafio. A relação da nossa vida com as demais vidas, a atitude perante as problemáticas que a totalidade das vidas apresentam, indagam e demandam em relação ao presente e ao futuro. É despreender-se de qualquer egoísmo analítico para encontrar o Rumo Certo! E logo, ação! Ação em direção ao objetivo certo! A ausência de clarividência, a obnubilação do óbvio ético, está representada pela corrupção de todos os valores, a vil corrupção das instituições, autarquias, poderes, comportamentos e instrumentos que deveriam estar incondicionalmente a serviço do bem, da verdade e da humanidade. E a quem corresponde criar as condições
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culturais e logísticas para que esta visão se torne um caminho inspirador viável? A uma Escola integral, bem apetrechada, como princípio absolutamente prioritário dos governos .
Viver clarividentemente, enfrentando angústias e injustiças que surgem a cada passo na sociedade moderna é simplesmente viver em ação, sem cinismo, sem apatia, com compromisso, vendo e sentindo, promovendo no possível a redenção alegre e promissora para todos, absolutamente todos, admitindo colocar-nos no lugar dos que sofrem, aprendendo a chorar com os que choram, a sentir a fome dos que a têm, a provar a dor dos que a sentem, no corpo, na mente e na alma, compartilhar a “angústia” dos que não sabem e não podem superar, é saber onde reside o mal e opôr-se inteligente e corajosamente à sua ação deletéria, à sua propagação, por verbo, ação e atitude vigilante. Combater em bom combate, é deixar de admitir por exemplo salários mínimos vergonhosos e insultuosos para uns e de prodigar tetos nababescos para outros como na época dos sátrapas e dos mandarins, como diria Castro Alves. É batalhar ativa e diuturnamente contra uma sociedade de desigualdade e de castas que inadvertidamente vai singrando, aumentando e contrariando o que sabiamente foi exarado na constituição da nação de todos. É sentir e praticar a justiça, nas situações comezinhas do dia a dia. É exercer uma análise crítica do que é errático, negativo, corruptível, corruptor e corrupto, para esclarecimento das mentes menos lúcidas ou despreocupadas, por todos os meios ao seu alcance. Ou seja, é urgente conscientizar! Um espírito consciente, clarividente ante a angústia, é um espírito justo, equânime, disposto à disciplina do seu potencial humano, para superar-se em dignidade! Somente “massa mediocrizada” políticamente manejável, aceita render sua consciência por medo a perder vantagens pífias imediatas, oferecidas demagogicamente.
É imprescindível conscientizarmo-nos TODOS da importância da justiça, da verdade da JUSTIÇA, da dimensão imensurável do que ela realmente significa para a dignidade humana, como ideal, inspiração, sustentáculo, fundamento, filtro, fiscal, fiel da balança, pilar basilar desse bem supremo, sustentáculo da civilização cidadã e humana, que é ou deveria ser a democracia e a república democrática representativa, e, esperar contrita, fervorosa e religiosamente que, como parece, tão inconsistemente, o nosso edifício da Justiça pátria não desmorone, como às vezes parece tão concretamente ameaçar-nos, que não permita e não provoque seu desprestígio, que não nos envergonhe nem tenha motivos para envergonhar-se a si mesma, - ao desconhecer aparentemente, o basilar princípio em que se assentam na República os três poderes, independentes mas harmônicos entre si, ao pedir simploriamente um subsídio residência, ao admitir mandados de segurança em profusão, para manter o nepotismo, ao admitir agentes públicos com privilégios de cargo a garantir os privilégios do “nepotismo”, e do oportunismo, privilégios que não se podem oferecer aos demais concidadãos sem parentela empoleirada, ao votar sem isenção faltando ao seu conspícuo e precípuo dever - flagrantemente injusto, por não querer ver a sacralidade dos princípios a que está verdadeiramente votada, ou não se importar com “clarividência do julgamento”, por não exercê-la intencionalmente, por provável “incompetência” de não querer ou não poder vivê-la, por optar pelo cínico, deplorável, infantil e cômodo, embora ilustrativo, silogismo dos três macaquinhos tolhidos voluntariamente da visão, audição ou palavras, para não ver o mal, não ouvir o mal, não dizer o mal. Quando precisamente a Justiça, como o seu escultórico símbolo inspirador expressa com a venda sobre os olhos, a espada erguida, sostendo a balança em perfeito equilíbrio, precisa clarividentemente ver o mal, ouvir o mal, e combater por sua solene e audível decisão, palavra e repúdio, a condenação do que viu no mal, ouviu no mal, interpretando o que vê e ouve com pronunciamentos corajosos e indiscutíveis para destruir o mal, o nefasto, o deletério, o que portanto requer coragem exemplar, iniciativa, ação, judicioso e sábio julgamento. A Justiça, o Legislativo e o Executivo e seu comportamento, nessa ordem de importância, são, ou deveriam ser, para a nação, para a população, o espelho em que depositam todos os cidadãos sua esperança, a intocável probidade e autoridade, o rumo e o cristalino exemplo para o que é e deve estar inconfundívelmente certo e correto!
Para exercer-se justiça, a combater-se raízes da angústia, reivindica-se criar jurisprudência “up to date”, a cada passo, para exercê-la com atualidade, acuidade e sabedoria. Peca a Justiça, quando parece esgrimir a toda hora com soltura e despreocupação as espúrias razões de Estado ou razões políticas para satisfação do que parecem ser apenas cálculos, paixões ou interesses partidários escusos e não razões do interesse real de toda a nação ou da sua maioria absoluta. Justiça que se recusa a perceber ou ver o mal e a maldade, o dúbio e o
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obtuso, a não ouvir o clamor do bom senso na sanidade da maioria silenciosa, na integridade, a não pronunciar a palavra certa de condenação e repúdio, prontamente, na ocasião requerida, a não se sentir instada a dar exemplos de clarividente probidade inconfundível a toda a nação, ao não inspirar e significar exemplos na produção de magistrados de perfil inatacável, com visão sagrada, clarividente de seu papel, do virtuoso simbolismo e sentido de missão transcendente da verdade, da equanimidade, do princípio estimulador, construtor de nobre e digna sociedade, não é justiça! Mas apenas a expressão primária de uma civilização que prima pelo conforto e vantagem de uns poucos, da corriqueira e ligeira concepção que se generaliza na nação, de macaquinhos que não vêm, não ouvem ou não falam, porque voluntariamente se tapam comodamente os olhos, ouvidos e bocas, para não ver, não ouvir, não dizer, o que porventura possa comprometer aos pretensos, inconfessáveis interesses com clarividentes, inegáveis e cínicos laivos da maldade. E quando às vezes, raramente, sem poder evitar as evidências deve a “Justiça” dizer algo, o diz eivada de ambíguos cuidados e pruridos de impaciência, inquietação, preocupação, sutilezas, incompreensíveis para os leigos, através de atores, como se fossem meros aparentes arautos de uma corporação, da mera burocracia compenetrada primeiramente das suas imediatas necessidades, anseios, conveniências, proteções, gostos, jamais tolhidos da ambição egoísta tão comum em seres despreparados de considerações éticas essenciais quanto fundamentais, de forma desproporcionada, desigual, desmedida, INJUSTA. Raramente se vê despreendimento, altruísmo, valor que cunhe, marque, crie fortemente no espírito da sociedade e da nação, padrões elevados como exemplo cristalino, pedagógico, orientador. Isto é assim infelizmente e vale tanto para o Judiciário quanto para o legislativo e o Executivo. A nação, a Pátria, parecem pertencer a grupos que se entendem ou sub-entendem entre si. Sobre entendimentos e prioridades que não são necessariamente as da nação de todos. Os que sabem como justificar acordos ilícitos, os que estão treinados em dar depoimentos sem nada dizer, com a abúlica audiência de quem não se indigna, nem protesta, nem reage, nem pune hábitos deploráveis e condenáveis, os que sabem fazer leis que primeiramente os beneficiam e a seus apaniguados particularmente, os que sabem manejar caixa dois ou três ou mentir à vontade e descaradamente, com a maior cara de pau, afinal sob os auspícios de esgrimida lei, pronta a conceder salvo-condutos e “hábeas corpus”, porque estes verdadeiros felizardos podem até contar com direitos e legislações que os habilitam até a mentir e a rir-se em público das e nas inócuas CPI’s, ou seja: a Pátria, a nação, o conjunto dos concidadãos, a dignidade do exemplo cristalino e inconfundível em segundo lugar!... Para estes a preguiça acomodatícia interpretativa da lei!
Aparentemente nada nos pode garantir em nossa ansiedade, consôlo e direito. A Pátria, só cumprirá o seu papel democrático republicano, Justiça, só será justiça, Legislativo só significará profícua, conspícua, meditada legislação, Executivo só será respeitado e aplaudido, se forem cristalinos, exemplares, indiscutivelmente probos, desprendidos e inconfundíveis os seus atos!... Fora disto, só nos resta acomodar-nos a conviver em angústia moderna! . . . Felizmente moderna! . . .
O meu colega do ciclo de palestras professor William Lopes, terá provávelmente falado ou falará sobre a antropologia da Angústia e dos filósofos que se aprofundaram na análise do tema, e seus correlatos, como Kant, Kierkegard, Unamuno, Schopenhauer, Heidgger, Nietzsche, Sartre e outros pensadores de nomeada. Desta forma me abstenho de comentá-los e me limitarei a esta análise concreta da problemática nos dias de hoje na nossa sociedade. Quero apenas ressaltar o fato curioso de ter Unamuno, dedicado anos estudando danês, para poder ler a Kierkgard no original e entendê-lo plenamente sem intérpretes tradutores, na sua análise da teoria da angústia, sobretudo no que se referia à fé religiosa como esperançosa salvação. Ao definir o humano em seu próprio desespero afirmava: o homem é angústia. A solução: esmerada fé, que era o que a Unamuno interessava aprofundar, e o fez magistralmente em seu “Do Sentido Trágico da Vida”, de que recomendo a leitura.
A sociedade e os cidadãos estão confusos, desorientados e contaminados de nefastos maus hábitos, em meio à carência de exemplos e padrões claros de probidade, lealdade, decência, comportamento, limpidez de vida e relacionamento. As leis trabalhistas nem sempre sábias, nem sempre são necessáriamente justas para as partes envolvidas, pois sem o querer são também de certa forma produtoras de angústia.
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É preciso desenvolver lúcida clarividência urgentemente, para viver a coragem de denunciar o erro e a cegueira, o atraso, a obtusidade em tantas frentes, sem perder a compostura, o sentido correto da lealdade e respeito a valores e virtudes como sugeriam e exigiam os iluministas, os que pensaram bem e brilhantemente ao lançarem as bases da sociedade evoluída republicana democrática; (que certamente hoje se revolvem desesperadamente inconformados em suas sepulturas) Rouseau, Montesquieu, Diderot, Descartes, Voltaire, entre tantos valiosos outros, não só a aparência superficial de valor, na denuncia de esposas frustradas ou desencantadas, na sua vida pessoal íntima e de relação com políticos corruptos, corruptores ou corruptíveis, inabilitados para a causa pública, sem qualquer sentido ou obrigação de SERVIR a causa publica, mas a verdadeira coragem e a verberação nobre dos justos, dignos, coerentes e de todos os que possam perceber em si a repulsa a todo o indigno e o impróprio de uma pátria ferida e delapidada em todas as áreas a cada dia, ano, mês ou gestão. Não basta a aparente pantomima das C.P.I’s para tranqüilizar consciências. É preciso respeitar inteligências, com a sinceridade e a objetividade da VERDADE! Quem não pode ver que a corrupção a qual infelizmente grassa eternamente em todas as administrações do país, é e tem sido sempre o pior mal que nos assola, que nos angustía, impedindo-nos de ver e crescer clarividentemente, como uma nação equânime e justa, desde os tempos do nosso descobrimento?
Quando aquele ilustre vate, estruturador da nossa bela língua pátria, fala com estrema angústia, lucidez e valentia sobre realidades vivenciais da herança sociológica que nos foi legada, Luiz Vaz de Camões, se lamenta dizendo:
“. . . No mais musa, no mais que a lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida,
E não do canto, mas de ver que venho
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Não no dá a Pátria, não, que está metida
No gosto da cobiça e na rudeza
De uma “austera, apagada e vil tristeza” . . .
Luiz Vaz de Camões, Canto X – 145 – Século XVI
Esse retrato acima, de uma época épica, históricamente gloriosa, promissora, logo a seguir aos descobrimentos mais importantes na circunferência terrestre, quando aquela nação, que foi a nossa, pois até a independência fomos província e logo reino unido daquela, quando Portugal dominava e comerciava nos cinco continentes, tão candente e poeticamente descrito, é de um período de atarefada abastança, domínio, e alguns dissabores bélicos esporádicos, mas com todos os motivos evidentes para a plena realização do engenho humano e sua felicidade, e, no entanto, descrita como “austera, apagada e vil tristeza”, nada menos, ou mais precisamente, que por Camões, glória perene de duas pátrias, e monumento à cultura e ao sentimento épico mundial, com seu . . . “canto ao peito ilustre lusitano,/ a quem Netuno e Marte obedeceram . . .” Diz-nos modernamente alguma coisa, a nós brasileiros: Que nos diz? Em meio à aparente estabilidade da inflação, valorização da moeda, e auto-suficiência de petróleo? Não seriam razões suficientes para extravasar-mos nosso ego de felicidade? E no entanto a angústia e incerteza rondam em uníssono nossos espíritos!
Basta de corrupção, do tráfico de drogas dentro das próprias instituições públicas, e a tagarela propalada “fome zero” anunciada sem coerência dignificante, como solução definitiva, basta de demagogia “caritativa” cínica e “pragmática” de subsidiar a confecção e publicação de “obras literárias” de obscuros objetivos “sociológicos” futuros, dos arautos da negação e desgraça da vida sã, saudável e útil. Marcinhos V.P. e Fernandinhos Beiramares, elevados ao status de notáveis personagens, com toda e irrestrita mordomia, por todos os lugares, a ditarem os rumos dos altares! É o colmo dos pesares!... e sem dúvida, dos azares!... Basta de maioria sã e honesta, mas silenciosamente vivendo angústia! . . .
E para quê, tudo isso? Para evitarmos o desabafo generalizado possível, de incongruente quanto cínica, irônica frustração e angústia, desespero das consciências lúcidas e legítimas, a
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gritar alto, bom som e a plenos pulmões, esta obtusa euforia patriótica mas já totalmente desacreditada, descredenciada e frustrante: Que bom é haver democracia, esse bem supremo dos povos civilizados: Só nela e com ela é que podemos ver na T.V. e ler na imprensa e viver no dia-a-dia, quanta imensa irresponsável atmosfera de podridão infecta, mortificante, grassa na nação atônita e sufocada, manietada, imobilizada nos seus projetos, vôos e sonhos. Bela e cínica ironia, digna de Voltaire. Onde estão ou em que caminho ficam as promessas ou conquistas, gravadas constitucionalmente, de uma Pátria justa, generosa, equânime, segura, estável, estimulante, protetora, zelosa pelos interesses e solução das limitações da maioria, propiciadora e beneficiadora do melhor nível educacional, nação em que todos, absolutamente TODOS, sejam iguais perante a lei? Educação ! Educação! Educação ! Foi a proclamação de Michellet. Sem ela a ignorância avassaladora semeará sempre cada vez mais o gérmen da injustiça e portanto da angústia interminável, manietadora e insuportável ! O verdadeiro ideal da democracia, não é a guerra, é a Paz não é a anarquia, é a ordem, não é a bala, é o livro, não á a fortaleza, é a Escola ! Palavras inspiradoras de Cesário Motta Júnior, grande paladino da educação em nosso estado. Escola ! Escola! Escola! Eis a verdadeira fortaleza da Democracia, escola para a felicidade e entendimento, em contraposição à osbscuridade, subjugação e angústia! Sociedade de castas, de categorias e leis desiguais, de privilégios distribuídos sem mérito e sem honradez, faz cidadãos probos e cidadania? E as diferentes castas de aposentados? Que dizer delas, se não infelizmente vê-las mergulhadas em perspectivas angustiantes? É preciso, quanto é preciso, desenvolver lúcida Clarividência que identifique e premie os bons, localize, iniba, inabilite e puna os maus, perversos, mistificadores desvirtuados, sem qualquer visão ou sentido de identificação com valores, ou sentido de missão e responsabilidade, os eternos e exímios equilibristas de cima do muro. Para que os valores continuem a ser valores, e não instrumentos manipuláveis dos mais avivados, dos mais espertos, dos que se treinaram para levar “vantagem” em tudo, - sem o qual, assentidamente na sociologia de massa, não há inteligência que valha – criando hábitos e conceitos que se vão arraigando ao belo prazer dos mais habilidosamente espertos, só espertos, mas indignos! Para que não sejamos cúmplices todos, meros veículos de postergação indefinida do destino, simples brinquedos articulados, marionetes dos seus devaneios, bonecos hipócritas ou túmulos branqueados a aspirar a paz do cemitério, na infundada ilusão de que tudo tenha valido a pena, na existência descomprometida e inconsistente. Que existência? A que clarividentemente ajudamos a edificar? Ou a que nos proporciona a nossa cegueira e falta de objetividade lúcida? A nossa abúlica atitude? O nosso voto inconsciente, ligeira e ufanamente depositado? A nossa falta de coragem e testemunho? Ou o nosso imediatismo? Para que possamos conquistar dignidade e a clarividência que a edifica, sem temor à angústia e a dor valorosa dos que indicam rumos e sofrem por eles, que a sua ação digna e valorosa contraporá à angústia insuportável da inação, como fizeram aqueles ignotos bravos que traçaram dolorosos mas certeiros caminhos, tão belamente cantados pela voz e pena do poeta – pensador, e também angustiado sofredor Fernando Pessoa, outro expoente extraordinário, lapidador do verbo, do pensamento e de nossa magna literatura e língua:
Oh mar salgado,
Quanto do teu sal
são lágrimas de Portugal !
Por te cruzarmos,
Quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram,
Quantas noivas ficaram por casar,
Para que fosses nosso oh mar! . . .
Valeu a Pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(Fernando Pessoa)
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Ou esta outra voz, a do brilhante Camões, que expressa tão claramente a angústia de nossos dias, em que o castigo vem sempre inexorávelmente para o lado mais fraco:
“Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem, tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado,
Assim que, só para mim
Anda o mundo concertado!”
(Luiz Vaz de Camões)
Eis o sentimento de dor e angústia moderna e de sempre, que grassa e grita na massa da nação e do povo de qualquer latitude, massa provavelmente apenas imitadora, mas sofredora, aparentemente insensível de sua modernidade corriqueira .
Citei Fernando Pessoa e Luiz Vaz de Camões, destacados criadores, personalidades que também nos pertencem, pela herança da língua e da cultura, seres que vivenciaram a vida com vigor, angústia e dor, acompanhados sempre de supremo valor, mas realizaram obra imensurável que tanto nos orgulha e da qual dependemos a diário: o burilamento do pensamento, da história e da língua portuguesa, para a nossa pessoal construção ou criação, na comunicação e arquitetação de laços de vida, cada vez mais interdependentes.
Tenho dito.
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