COMO TERÁ DITO POR VENTURA MICHELANGELO
ERASMO FIGUEIRA CHAVES
Como terá dito Michelangelo Buonarroti, ante a pedra bruta a ser esculpida : “La Pietá”! A obra prima aí está dentro! Vejo-a perfeita, acabada ! É preciso apenas retirar o que está a mais, o excesso que impede aos mortais vê-la já pronta!...Parece que o grande gênio assim se expressou, ou, quem sabe, de forma muito parecida. É como se a par da sua incomensurável genialidade de artista, pintor ,arquiteto, poeta ,engenheiro militar, escultor, uma das figuras máximas da renascença, estivesse presente em seu espírito, também nesse momento, atributos de grande pensador-filósofo. Para a Arte e o artista, tudo está pronto na natureza. É preciso apenas que a ação , a sensibilidade, o amor, de artífices e visionários se manifeste e, mágica ou autoritáriamente a desnudem, aceitando a priori o consequente turbilhão e demanda de esforços, de dinamismo, cansaço compensador, determinação indômita, sabedoria inspiradora, compreensão, espera do tempo próprio, amadurecimento, demandados a essa certeza e parto sublimes. Assim, como “La Pietá’”, surgiram também entre tantas das suas obras primas, a estátua de David, a de Moisés, O Julgamento Final, na Capela Sistina , a cúpula da Basílica de São Pedro. Suficiente e gloriosa consagração para um ser mortal que viveu hà aproximadamente 450 anos , solitária, simples mas soberbo e comunicativamente. até hoje ! . . .
Na natureza residem todas as respostas. Alguém duvida? O que é lamentável é que se leve tanto tempo da eternidade para formular adequadas ou vocacionadas perguntas. Há aparentemente um temor pânico generalizado de dar sentido às palavras, de transitar por elas, de acreditar nelas, de comprometer-se com elas, de imprimir nelas o entusiasmo, o vigor , a autenticidade, a emoção da certeza e da convicção , de criar com elas imagens desafiantes e estimulantes, de formular com elas as perguntas candentes, talvez em consequência de milenar prudência puritana ou farisaica educação que confunde a Verdade cristalina de um ser natural, são , em busca de perfeição, com obtusa inteligência utilitária ou razão mesquimha e interesseira. Não há como cultivar sentimentos edificantes, nem estimulá-los nos demais, sem o adequado uso das palavras, sem através delas confirmar ou negar os atos ou por atos confirmá-las, na sua autenticidade, sem antes da ação porventura necessária, apalavrar com os diretamente co-interessados o obrigatório consenso. Diz-nos o último Nobel de literatura , o primeiro da língua portuguesa, o corajoso Saramago: “Ao não usar as palavras, se perde o sentimento”. Sabe ele muito bem e nós podemos inferir muito explicitamente , o que significa viver sob uma ditadura de 45 anos , onde a cultura circunstancial se amolda a viver sem sentir a falta de liberdade ou a sua vivência e essencialidade e sem poder ouví-la ou expressá-la na palavra dos corajosos. E os casais? Comunicam-se todos idealmente bem, por palavras e sentimentos criativos, por diálogo, além da cama? . . . Ou mesmo nela? . . . É por isso que, em sua maioria , vivem na harmonia do amor e do respeito? Palavras consentâneas com o espírito de Verdade perene humanitária, sensível produto de um trabalho intelectivo pessoal de interêsse coletivo , refletindo inquestionável autenticidade, na eternidade de uma alma que nos está atribuída para fazer dela arauto evolutivo, por atos e palavras, sem mistérios insondáveis . O mundo pode e deve ser melhor ? Pode mesmo? Por quê ? Respondamos conscientemente, honestamente, independentemente, lealmente, pessoalmente, audívelmente com o dom divino da palavra, ou da divina comunicação do diálogo, ou de alguma maneira na expressão dos dons e vocação divina que nos esteja atribuida por talento ou prática, exercitando êsse instrumento mágico de um estágio avançado maravilhoso , na escala Darwinista, para a comunicação adequada de pessoas e povos do produto mais sofisticado, computado por neurônios em milênios evolutivos e na vivência de uma rápida existência: a capacidade de formular criativamente as mais incríveis descobertas e comunicar idéias , beleza, ideais, dúvidas, certezas , aspirações , sentimentos.
Não podemos ser todos Michelangelos. Certamente nem será preciso ! Mas podemos todos fazer um esforço mínino pelo menos por dignificar a palavra , tão dilapidada, tão livianemente dada, tão inibida, tão mal intencionada, tão desacreditada, tão mal grafada, tão falsamente propalada, tão vazia , tão demagôgica e hipócritamente manipulada e com péssima qualidade gramatical nos meios de comunicação, nas campanhas publicitárias de políticos e partidos , sem o menor constrangimento ante a calúnia, a imaginação desvairada, a ambição desmedida, a demagogia, a desconsideração e ignorância para com fatores da mecânica da inteligência, com que a sofisticada e maravilhosa eletricidade cerebral processa e reune coerentemente na central de neurônios, suas memórias e comandos de tudo o que nos é vital, essencial à vida útil e prática, a consciência da realidade lamentável das sociedades edificadas a esmo com a escassa e miserável pobreza de preocupação cultural ou espiritual na matéria encefálica, sem qualquer conteúdo válido e sério, o desrespeito total pela inteligência pragmática do bem e das pessoas. Se cada um fizer o seu pouquinho, com algum empenho e amor pela beleza, pela estética, pelas pessoas e suas relações , exercitando a palavra apropriadamente , cobrando de e em quem votou, dando ciência e satisfação a quem de alguma forma demandou, exercitando com e no amor a poesia recheada de verdade, renovada de vigor a cada dia, pela boa comunicação nas suas múltiplas formas, reforçando a alegria no trabalho e na ação, ofereceremos sentido ao que é cidadania, democracia, soberania, dignificaremos a vida e a sociedade, formularemos imagens criativas que nos reconciliarão com a certeza do que há de perene , bom , inspirador, à nossa espera na incomensurável dimensão na bondade da natureza.
Erasmo Figueira Chaves é colunista do site www.itu.com.br
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