Erasmo Figueira Chaves
Como um rio, refletindo cintilante lua prateada, correndo manso ou caudaloso para o nada, para o sempre e para o todo; em cadência pachorrenta ou de loucas corredeiras chiando em ritmo fabuloso; como o fio cristalino e mágico da nascente, cada vez mais rara, serpenteando alado, musical e alegre em busca do riacho remansoso; tem minha vida percorrido o trecho, agradecendo bendições, enfrentando escolhos, desafios, sem abrigar desalento, rancor, suportando desaires gratuitos, sem alimentar revanche, remorso, leal à vida sem desapontamento; como átomo da matéria obediente à função de sua própria e inevitável obediência, de cujas leis só transcendência libera: com a força intelectiva e inspiradora do mérito ou inconsciente demérito de tudo que à passagem acho, gratuita ou onerosa refrescante aragem do descanso conquistado; pelo aroma e tépido sopro de humos umedecido destas margens; pelo bilionário murmúrio microscópico da vida invisível, que em surdina de mistério, vai gerando plenitude do todo visível; pelo desiderato da sinfonia das cores, dos tons, dos sons, dos timbres; pela humildade e esplendor da consciência que se reveste de dignidade; pela fotossíntese e inteligência fulgurante do sol, magicamente transformadora, dadivosa em gratificantes e múltiplas partículas; pela ventura de visar e querer amar, de seguir amando afirmativamente; pela imensidão possível disposta ao meu paladar, nem sempre apto a testá-lo; pela aprendizagem constante; pela compreensão de como se elabora o pão legitimado, a visão, o sentimento e a razão; pela dignidade introspectiva do todo; pela dependência de balsâmica transcendência que a própria razão desconhece, explode em meu peito a alegria afirmativa pela vida, através da qual acalento o que enxergo e na qual albergo a maior dimensão de gratidão.
05/08/87
Nenhum comentário:
Postar um comentário