ERASMO FIGUEIRA CHAVES
Como terá dito Michelangelo Buonarroti, ante a pedra bruta a ser esculpida : “
Na natureza residem todas as respostas. Alguém duvida? O que é lamentável é que se leve tanto tempo da eternidade para formular adequadas ou vocacionadas perguntas. Há aparentemente um temor pânico generalizado de dar sentido às palavras, de transitar por elas, de acreditar nelas, de comprometer-se com elas, de imprimir nelas o entusiasmo, o vigor , a autenticidade, a emoção da certeza e da convicção , de criar com elas imagens desafiantes e estimulantes, de formular com elas as perguntas candentes, talvez em consequência de milenar prudência puritana ou farisaica educação que confunde a Verdade cristalina de um ser natural, são , em busca de perfeição, com obtusa inteligência utilitária ou razão mesquimha e interesseira. Não há como cultivar sentimentos edificantes, nem estimulá-los nos demais, sem o adequado uso das palavras, sem através delas confirmar ou negar os atos ou por atos confirmá-las, na sua autenticidade, sem antes da ação porventura necessária, apalavrar com os diretamente co-interessados o obrigatório consenso. Diz-nos o último Nobel de literatura , o primeiro da língua portuguesa, o corajoso Saramago: “Ao não usar as palavras, se perde o sentimento”. Sabe ele muito bem e nós podemos inferir muito explicitamente , o que significa viver sob uma ditadura de 45 anos , onde a cultura se amolda a viver sem sentir a liberdade e sem poder ouví-la ou expressá-la na palavra dos corajosos. E os casais? Comunicam-se todos idealmente bem, por palavras e sentimentos criativos, por diálogo, além da cama? . . . Ou mesmo nela? . . . É por isso que, em sua maioria , vivem na harmonia do amor e do respeito? Palavras consentâneas com o espírito de Verdade perene humanitária, sensível produto de um trabalho intelectivo pessoal de interêsse coletivo , refletindo inquestionável autenticidade, na eternidade de uma alma que nos está atribuída para fazer dela arauto evolutivo, por atos e palavras, sem mistérios insondáveis . O mundo pode e deve ser melhor ? Pode mesmo? Por quê ? Respondamos conscientemente, honestamente, independentemente, lealmente, pessoalmente, audívelmente com o dom divino da palavra, exercitando êsse instrumento mágico de um estágio avançado maravilhoso , na escala Darwinista, para a comunicação adequada de pessoas e povos do produto mais sofisticado, computado por neurônios em milênios evolutivos e na vivência de uma rápida existência: a capacidade de formular criativamente as mais incríveis descobertas e comunicar idéias , ideais , dúvidas, certezas , aspirações , sentimentos.
Não podemos ser todos Michelangelos. Certamente nem será preciso ! Mas podemos todos fazer um esforço por dignificar com algum talento e significado a palavra , hoje tão dilapidada, tão inibida, tão mal intencionada, tão desacreditada, tão falsamente propalada, tão vazia , tão hipócritamente manipulada e com péssima qualidade gramatical , nos meios de comunicação, nas campanhas publicitárias de políticos e partidos , sem o menor constrangimento ante a calúnia, a imaginação desvairada, a ambição desmedida, a miserável pobreza da matéria encefálica que a engendra, sem qualquer conteúdo válido e sério, o desrespeito total pela inteligência pragmática do bem e das pessoas, de quem em inocência, sanidade e pureza acredita na transcendência da bondade e do amor. Se cada um fizer o seu pouquinho, por pouquimho que seja, com algum empenho e amor pela beleza, pela estética, pelas pessoas e suas relações, exercitando a palavra corretamente com sentido íntimo, público, verdadeiro, apropriadamente, cobrando de e em quem votou, por exemplo, dando ciência e satisfação a quem de alguma forma demandou, exercitando com veemência, afeição e benevolência a poesia recheada de verdade, renovada de vigor a cada dia, pela boa comunicação, reforçando a alegria no trabalho, na intenção e na ação, ofereceremos sentido ao que é dignidade, cidadania, democracia, soberania, razão, inteligência, mente, coração, humanidade, dignificaremos a vida e a sociedade, formularemos imagens e esculturas criativas que nos reconciliarão com a certeza mais lídima e honesta do que há de perene, perfeito, eterno, bom , inspirador, gratificante, à nossa espera, aí à nossa mão, na incomensurável dimensão da natureza.
CABREÚVA, 20/10/1998
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