Erasmo Figueira Chaves
Já cidadão maduro, voltar à banca
escolar como aprendiz é uma sensação que traz o conforto de rememorar as
emoções autênticas de expectativa, indagação e pureza que experimentei ao
entrar por primeira vez na escola primaria. São emoções únicas, imperecíveis.
São as emoções, os desafios, as sensações, os sentimentos da primeira vez.
Imorredoiros !
Só que agora entro numa escola de
civismo, de cidadãos adultos, que é também um monumento histórico, uma
irmandade fraterna de liderança e ideais, de lealdade e coerência entre seus
membros, de profunda repercussão e influência em todas as esferas, muito embora
passe a ser aprendiz aprofundando temas e padrões pelos quais me tenho batido e
a experiência e legítima vocação de sentida e extensa vida, não me façam
parecer tão desconhecedor destas dimensões especulativas, alegóricas e místicas
que por séculos inspiraram e motivaram seres altruístas à ação decidida e
desinteressada em favor das sociedades e da humanidade. É como se a cerimonia
de iniciação de minha nova dedicação fixasse o início, o alvoroço, o conteúdo
emotivo contidos naquele distante primeiro dia da minha escola primária.
Encontrar-me rodeado na fraternidade de
irmãos mais velhos e experientes nas lides maçônicas, oferecendo-se gentil e
amavelmente para guiar, orientar, discorrer, fornecendo-me material, literatura
e companheirismo genuíno, espontâneo, dá-me entretanto a confiança e a esperança
de poder galgar rapidamente o aprendizado e cumpridas as tarefas que devo
cumprir, amadurecendo na minha maturidade, tornar-me obreiro condigno de meus
novos irmãos, incluídos, sem dúvida, com a maior candura, meus novos e já
velhos amigos, os meus laboriosos irmãos gêmeos, os que nasceram comigo para as
lides maçônicas na mesma cerimônia de iniciação.
A iniciação, a cerimonia em si, onde o
profano com a sua cegueira é testado nos seus propósitos de querer vir a ver,
onde o pressuposto da sua potencialidade de homem de bem, verdadeiro, leal,
honesto consigo mesmo, é posto a descoberto, através dos simbolismos dos
gestos, atos, juramentos e atitudes de esperança e determinação, onde a pobreza
de uma natureza sujeita ao erro e ao pecado revela no entanto a humildade da fé
nos processos redentores de edificação da personalidade maçônica, é um hino de
louvor à criação e um culto à origem de toda a potencialidade, à onipotência e
onipresença do arquiteto da totalidade – Deus Todo Poderoso, misericordioso,
centro gerador da bondade infinita. Mas essa bondade, essa misericórdia não é
gratuita, assim o simbolismo da cerimônia nos doutrina. Desafia-nos
a trabalhar, a cumprir regras, a disciplinar-nos, a mostrar-nos cristalinamente
como somos, sem enganos, sem máscaras, sem subterfúgios, a amadurecer, a
analisar nosso interior e nossas motivações e finalmente, convictos de nossa
fraqueza e arrependidos, pedir sem rebuço perdão quando falhamos e a quem
ofendemos. Somos dependentes dessa arquitetura onipotente e redentoramente
soberana, mas se quisermos e a fé respeitosa e sincera nos acompanhar, com a
virilidade de aceitarmos a humildade do obreiro e do servidor, seremos também
colaboradores, instrumentos ativos, construtores, responsáveis pela
administração e continuidade redentora da excelsa arquitetura eterna, perfeita
e justa.
A cerimonia, no seu conjunto maravilhoso
de simbolismos e alegorias, no escasso espaço de algumas horas, dita-nos lições
enciclopédicas de vida e de conduta : ombro nu e pé descalço, chinelando
humildemente de olhos vendados, guiados pela fé na mão que nos foi irmãmente
estendida para guiar-nos a atravessar a vida de tropeços, desafios, obstáculos,
agruras e vendavais; a caverna ou cela da meditação que nos faz apurar,
aprofundar a autenticidade de nosso valor intrínseco ou a sua debilidade, a
coragem e o medo de encarar a morte e a vida, o real e o irreal, a simbologia
com a caverna de Platão, onde através do lusco fusco de luz e sombras deve ser
distinguida na adequada e perfeita compreensão a verdade inconfundível e perene
dos fatos. A disposição irrefragável de encarar corajosamente, virilmente o
indizível tumor da ignorância, mãe de todos os temores, todos os males, vícios
e atrasos. Eis o ponto decisório, eis o cume, o píncaro, o patamar
crucial que transforma medo em coragem, desconfiança em ação profícua, receio
em catapulta para encontrar o meio de afirmar e viver a virtude.
Virtude não teórica, mas a que faça
parte de nós, a que nos leve à ação, a dar testemunho com voz e conduta, a
visualizar metas, a aceitar o desafio de um começo, mesmo que seja através do
sacrifício de acatar uma porta estreita, para realizá-las, alcançando-as
depois, compensadoramente, através de trilha larga, plana e serena como
vivenciou o “peregrino” de John Bunyan.
Todos os ricos simbolismos, toda a
alegoria da sensitiva cerimonia de iniciação, são suficientemente consistentes
e férteis para desenvolver em nosso psiquismo mais recôndito e profundo um
despertar genuíno, que flui generosamente da libertação das amarras do
egocentrismo retrógrado, para as mais lídimas expressões de aspiração à mais
pura espiritualidade.
É o radical não à violência, à mentira,
à calunia, à tacanhez, à inveja, ao ódio, ao medo e às limitações de toda
dimensão. É a noção da luta por padrões de vida e de comportamento civil e
digno. É a liberação de toda a prisão, de toda irracionalidade, imobilismo,
incompreensão, indignidade. É o fortalecimento da fé na transcendência da
embrutecida matéria que nos torna matéria emanente, consciente da humilde
dependência do processo redentor de seres capazes de amar eternamente.
É a misericórdia atuante, onisciente,
onipresente, onividente, onipotente, do Arquiteto de todas as coisas que nos
faz seres presentes. É a vivificação visionária de Bernard Shaw, que lutou ao
amar sem estar ausente : “Você vê as coisas como elas são e pergunta, por quê ?
Mas ouso sonhar coisas que nunca foram, ou jamais existiram, e pergunto por quê
não ?” e eu termino Por quê não a virtude, a bondade, o amor, a justiça e a
verdade ? Por quê não ?
Erasmo Figueira Chaves
Loja Maçônica Esquadro e Compasso de Cabreúva
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