Erasmo Figueira Chaves
Uma leitura rápida a ‘Iguatemi a Maldita’ romance
histórico de Porphirio Rogich Vieira, sorocabano ilustre, editado postumamente
no esforço e histórico interesse do Instituto Histórico, Geográfico e
Genealógico de Sorocaba, pela liderança dinâmica e esforço pessoal de seu
presidente, professor Adilson Cezar, sugere-nos logo a destacada importância
de vários fatos históricos, que nem sempre são objeto consagrado do interesse e
conhecimento geral, nem infelizmente são ensinados pela educação regular
nas escolas ou constam sequer do currículo escolar corrente.
A vocação dos sorocabanos sobre o tropeirismo que
os leva a formar em Sorocaba o maior mercado de tração e locomoção animal
do país, instrumento vital na época para o desenvolvimento, integração e
ação comercial e social do país, e os motivava às insanas tarefas de ir até o
Prata, compondo comitivas descomunais, em busca de sua ‘matéria prima’
essencial quanto de importância crucial, leva-nos incontinente, a
rememorar fatos e episódios vifificantes da história Pátria.
Nesse livro, a descrição de Aluísio de Almeida,
patrono do IHGGS, patente em seu respectivo Prefácio, já pronto na época de seu
disciplinado e leal interesse histórico, em 20 de outubro de 1973, permite-nos
com cristalina clareza visualizar, rememorar episódios e circunstâncias que
vivificam hoje a nossos olhos e mentes o heroísmo e vicissitudes a que se
submeteram personagens e protagonistas de epopéias semelhantes aos primórdios
de nossa história e iniciais descobertas, quando descreve com absoluta
propriedade apresentando o romance em seu Prefácio,
citando o seu autor Porphirio Rogich Vieira.
“. . . Em a ‘Princesa dos Tropeiros’ o
inteligente historiador sorocabano transpõe a ficção os seus notáveis
conhecimentos sobre o Tropeirismo Sorocabano, introduzindo pessoas e fatos,
cenas, costumes e episódios perfeitamente de acordo com a história. Neste o
autor romancia um doloroso capítulo da História do Brasil, de São Paulo e de
Sorocaba, que é a fundação, vida e destruição de Iguatemi, situada no rio
do mesmo nome, atualmente Estado de Mato Grosso do Sul. Descreve as viagens
pelo Tietê, Paraná e Iguatemi para a condução dos povoadores, uma epopéia,
cheia de perigos dos Saltos, cachoeiras e corredeiras, dos índios e
feras, da terrível malaria, então chamada carneirada e, os sofrimentos do mau
regime alimentar.
Pinta os martírios e da doença, e as ameaças dos
índios e dos castelhanos já na própria povoação. E o final da tragédia, a
invasão da praça pelos castelhanos vindos de Curuguati “ . . .
O ‘Diario de Navegação’, documento extraordinário
escrito do próprio punho pelo Sargento-mor Teotonio Jose Juzarte, corrobora em
detalhes e facetas, dia por dia durante aproximadamente dois anos, o que eram
os empreendimentos de exploração, desbravamento e Monções, suas canseiras,
problemas preparativos, perigos, incógnitas e desafios. A grande
expedição a Iguatemi, iniciada em 1769, tão detalhadamente documentada, está
exposta na Biblioteca do Museu Paulista, assim como uma sua idêntica versão
esta na Biblioteca Nacional de Lisboa.
Iguatemi era a fortaleza que pretendia mostrar aos
castelhanos, lá no meio do interior e do oeste brasileiro , a soberania
expressa pela saga heróica de entre tantos bandeirantes, pioneiros,
exploradores, desbravadores, aventureiros e sorocabanos.
Quando em 1580, apenas aos 80 anos de descoberto o
Brasil, a dinastia portuguesa de Avis, passando por periclitantes dificuldades
de sucessão, ante o fato acabrunhante catastrófico do desaparecimento e morte
em ufana quanto infortuna e funesta batalha, na de Alcácer Quibir em 1578, nas
praias mediterrâneas do continente norte africano, o desaparecimento do brioso
e voluntarioso Jovem rei D. Sebastao, com apenas 24 anos e, ainda por morte do
inquisidor seu tio, o velho e doente cardeal D. Henrique, regente do trono, vem
este, até então glorioso e exaltado reino, a cair, por laços de parentesco e
direitos de hereditariedade e sucessão (e ainda por outras peripécias curiosas
ou caprichos da história e da ambição humana), em mãos dos Felipes da Espanha, II
e III, (Felipe II da Espanha e primeiro de Portugal, era neto do rei D.Manuel
de Portugal) após ferrenha batalha imposta pelos patriotas portugueses,
liderados por D. Antonio, prior do Crato, que se opunham a entrada do Duque de
Alba em Portugal, a serviço do rei espanhol, que em bem planejada
estratégia militar invade Portugal, trava batalha em Lisboa, vencida facilmente
por este, após escaramuças e debandada geral das forcas comandadas por D.
Antonio, mal organizadas e ainda desmoralizadas pela frustração sem limites,
referente ao evento do desaparecimento do jovem almejado e querido Rei D.
Sebastiao. . . .
Permaneceu portanto, a partir daí, Agosto de 1580, o glorioso e
geograficamente pequeno país peninsular hispânico, iniciador das navegações e
descobertas mais notáveis da história ocidental dos descobrimentos, com
destaque mundial, em mãos da casa real da Espanha, depois do esfusiante
esplendor de mais de dois séculos de glória, bravura endómita, tão bela e
insuperavelmente cantada pelo glorioso Camões, pai
estruturador da nossa língua portuguesa, em seu
patriótico Lusíadas,
As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Tabrobana,
E em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo reinho, que tanto sublimaram;
Prosperidade, glória e afirmação de sua real
Independência de Espanha, pela qual tantos feitos transcendentes pelas armas
engrandeceram Nun’Alvares e seus émulos, e pelo engenho, argúcia, coragem e
visão de, expandindo-se no mar, mar até então conhecido como o “mar tenebroso,”
a que havia que conquistar e superar para crescer e exisitr como nação digna e
próspera. As fronteiras a leste negavam-lhes expansão e crescimento. Expansão e
novas fronteiras estavam à frente. A glória viria pelo Oeste, dominando o mar!
E isso foi feito! E com que feitos!
... É neste contexto e espírito visionário de
heroicismo e grandeza que começa a delinear-se o futuro Brasil, o Brasil
província, depois Reino Unido e finalmente o Brasil independente. Esse legado
português de heroicismo e conquista foi o que incorporaram os arraigados bandeirantes,
os navegadores costeiros, os exploradores e desbravadores do Tietê. Que sabor,
beleza poética, sentimental dramatismo e profundo significado têm aqui as
palavras tão patrioticamente sentidas do grande pensador e transcendente poeta
Fernando Pessoa:
Oh, mar salgado,
Quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos
Quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram,
Quantas noivas ficaram por casar.
Valeu a Pena?
Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena!...
Quem quiser passar além do
bojador
Tem de passar além da dor!
Deus, que ao mar o abismo e os
perigos deu
Nele é que espelhou o céu!...
Depois da tempestade, virá a bonança? Demorou algum tempo! Como um fato
histórico, influencia outro? !!! . . .
Eis no entanto o agora manietado Portugal continental, ultramarino e colonial,
depois de tanto esforço e glória, sob os mandos e desmandos da coroa espanhola
até 1640, data da Restauração da monarquia lusitana, com a nova dinastia dos Bragança,
com D. João IV à cabeça, permanecendo esse longo tempo entretanto, o território
e a totalidade das colonias portuguesas, pelo menos em tese e jurisprudência,
um longo período de 60 anos sob a administração da política e soberania
espanhola. Criavam-se assim no entnato, condições extraordinárias para a
penetração ao interior do Brasil, com explorações e expedições de todo o tipo,
em busca de riquezas e expansão do desconhecido território, indo muito além dos
limites estabelecidos pelo “Tratado de Tordesilhas”, que entretanto, pouco a
pouco, deixva de ter sentido e vivência ou vigência, caindo sub-reptícia,
oportunística, paulatina e consensualmente em desuso, pois tudo era na
realidade agora território e soberania de Espanha, ou melhor dizendo,
território administrado sob a soberania da Casa dos Felipes, reis de Espanha e
de Portugal ao mesmo tempo, e portanto, tudo o que se relacionava com essa
soberania, era tratado com a maior condescendência, displicencia, ou quem sabe,
relapsia. Pelo famoso tratado, em realidade, a Portugal pertenceriam apenas as
terras a leste da linha imaginária que partindo de certa coordenada no polo
norte, rumo ao sul, passava pela ponta de Pernambuco, indo terminar pouco
abaixo de Cananéia, no litoral paulista. Isso, ou seja, o domínio jurídico e
convencional da soberainia espanhola estabelecida portanto em mais de dois
terços de todo o território da América do Sul, passou de repente a ser total,
durante 60 escassos ou longos anos, dependendo da perspectiva do raciocínio, e
explica talvez, em parte, a grandeza geográfica e territorial que arrebanhou,
conquistou ou tomou assoberbadamente a dimensão do brasil, a partir daí, graças
a essas condições políticas acidentais, na realidade excepcionais, permitindo
aos Bandeirantes e aventureiros, de toda espécie e origem, iniciarem
legitimamente a penetração rumo ao Oeste ou às costas do Pacífico, via interior
do continente, já então sob domínio Espanhol, produzindo os fatos históricos
conhecidos e consumados. E a estrada, o caminho ou curso ideal para essa
expansão pacífica inicial, tão eficiente, sem conflitos de fronteira
internacionais, foi prática e documentalmente o famoso e providencial Rio
Anhambi, ou mais tarde Rio Tietê, levando, implantando e expandindo a língua
dos desbravadores e descobridores, e a cultura que nos foi definindo e
arraigando como um conglomerado sui generis de realidades ou valores culturais
étnicos e éticos, ou em alguns casos isoladamente, aqui ou ali, nem tanto,
primariamente de herança portuguesa, engra ou indigena, em autêntica unicidade
luso/brasileira.
O famoso Tratado de Tordesilhas realizado a 7 de Junho de 1494, entre Portugal
e Espanha, antes portanto do descobrimento (ou encontro ?) do Brasil, como
conseqüencia da pretendida descoberta da América por Colombo em 1492, mas que
na realidade envolvia, o que veio a considerar-se, dúbios conceitos de
hegemonia e direito civil e até “canônico”. Segundo alguns consagrados
historiadores, tanto a América do norte, a Central e a do Sul,
generalizadamente definidas como as Américas, já eram anteriormente
perfeitamente conhecidas pelos reis de Portugal e de Espanha, pelas navegações
de outros bravos marinheiros, como por exemplo Duarte Pacheco Pereira, os irmãos
Corte Real, ou Vicente Añez Pinzón entre outros. Esse Tratado de Tordesilhas na
realidade tornou-se uma convenção, um acordo “consensula”de certa forma
forçado, entre as partes interessadas, para evitar conflitos maiores depois que
o Papa Clemente VI declarara, a pedido da ávida Espanha, a “Blla”de 3 de Maio
de 1493, a qual estabelecia, que, por uma linha imaginária traçada de polo a
polo pertenceriam: o Ocidente à Espanha, e o Oriente a Portugal. O Tratado na
realidade prejudicava Portugal. Mas o tempo, e o pêndulo da história,
misteriosa e magnanimamente, auxiliado pelos que nele, o tempo, e com ele,
intervieram com determinação e definição cristalina de esforço e ação, como às
vezes acontece no histórico da existência dos povos, das pessoas ou das
intituições, encarregou-se de corrigir as inconveniências, frustrações ou
prováveis justiças ou injustiças do destinho. O Rio Tietê, esse acidente
geográfico ou topográfico, de um rio nascido à beira do mar e rumando em seu
longo curso para dentro do imenso continente, que possibilitou e foi de fato o
instrumento a produzir realidades bem definidas, indiscutíveis e concretas de
colonização e expansão caracteristicamente portuguesas, criou também as
condições, as fundamentações, os fatos consumados irrecusáveis, que resultaram
na concretação de novo outro famoso tratado: O de 1750, em Madrid, conhecido
pelo nome de Tratado de Madrid, celebrado a 13 de Janeiro de 1750, entre D.
João V de Portugal e D. Fernando VI de Espanha, ratificado por ambas as cortes
em 26 do mesmo mês e em 7 de Fevereiro seguinte. Foi esse importante Tratado,
que em grande parte veio desfazer as deficiências do tratado de Tordesilhas. Já
sob Pombal, “o administrador terremoto”, como ficou conhecido, não só como o
grande estadista reconstrutor de Lisboa depois do terremoto de 1755, mas por suas
enormes reformas e intervenções radicais em toda a estrutura política e
administrativa portuguesa e, no caso da Província do Brasil, determinando a
obrigatoriedade do uso da língua portugeusa em todo o território da “Província”,
além das notáveis e decididas providências imediatas que tomou pra enfrentar as
conseqüencias do cataclismo de 1755 que destrui totalmente Lisboa, ficou
definitivamente estabelecido e csagrado nesse novo “Tratado, entre Portugal e
Espanha”, pelo qual as conquistas realizadas pelos paulistas sobre território
espanhol, por todos aqueles anos anteriores, seriam mantidas sob a égide e
soberania de Portugal.
Quando mais tarde vieram as
bandeiras e os bandeirantes, que as faziam tremular patrioticamente sertão
adentro, implantnado padrões em cada novo posto avançado, por esse caminho de
bendita água clara infindável, ou por trechos barrentos pelas chuvas
torrenciais, ainda as lendas ao redor de D. Sebastião, o jovem rei de 24 anos,
místico e voluntarioso rei, de 1574, logo desaparecido na luta, obediente à
romântica ou prática “doutrina da ação positiva”, embora não tão efetiva como
se provou; lenda e lendas as mais diversas, alimentadas bem ao gosto sincrético
das crenças populares, que tivram também alguma expressão sociológica, aqui na
“província”do Brasil, prolongando e permitindo, principalmente no sertão do
norte e nordeste, a difusão da religiosa crença, “o Sebastianismo”, alimentando
até politicamente, de que algum dia haveria de voltar o jovem rei
desaparecido, do seu incógnito lugar, também para solução de nosos males e
chagas, para resgatar aquela dourada época, esperança, pujança e realidade que
resplandecera com as descobertas e implantação do Império Ultramarino, glórias
e certezas que se foram e desapareceram à sua ausência e desaparecimento,
mergulhando a nação e o país como um todo na pérdida de sua soberania, ams que,
não obstante, pareceria continuar a empolgar ainda, nos séculos que se
seguiram, aqueles bravos e rústicos usuários, visionários e crédulos mestres
conhecedores incontestáveis da arte de marinhar, amantes das rusticidades e
agruras dos sertões, do grande Rio Tietê, pilotos, remeiros, bandeirantes,
exploradores e pesquisadores, que sonhavam grandeza e queriam refaze-la, aquela
grandeza legendária, agora mais que nunca expressa na cobiça e na ambição de
riqueza, reencarnando-a em suas vidas, acreditando e ouvindo ressoar, quem sabe,
em ecos das recomendações, e conselhos camoneanos, daquele que “nem santo nem
cético” recitava visionáriamente, em sua racionalidade poética, sempre
profética, esperançosa, e no entnato, sempre inspiradora e desafiante, ao seu
jovem, corajoso e voluntarioso rei Dom Sebastião:
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.
Camões
Era a verdadeira expressão de um sentir popular, que
em versos, surgiam espontaneos e tão lucidamente de sua pena, traduzindo assim
o grande vate, glória de nossa língua pátria: a língua portuguesa, a amabição
legítima do povo por realização concreta dos valores naturais de sua
lusitaneidade, expressão de ação indómita de um espírito prático.
Assim, resumindo, pela necessidade dos
limites impostos na exigüidade de paginas condicionadas à confecção dos
trabalhos pelos autores a esta obra, Iguatemi é uma esplendorosa e
concreta expressão, entre muitas, do que na realidade era a fortaleza erigida
pelos fortes, que tendo sempre defendido e conquistado o território graças as
facilidades circunstanciais oferecidas pelo Tratado de Tordesilhas, o qual lhes
era “legalmente permitido ludibriar”, durante o período em que o Brasil esteve
sob a jurisdição espanhola, ou seja o Brasil espanhol, entre 1580 e 1640, data
da restauração da Monarchia portuguesa, precisava agora defender o território a
duras penas arduamente conquistado, desbravado, verdadeiramente amado a
cada passo da conquista pelos heróicos e destemidos barbudos daquelas eras,
despreendidos de outro interesse que não fosse acirradamente verter seu sangue e alma para afirmar a conquista dos antepassados,
tarefa em que se notabilizaram paulistas de todas as latitudes e em
particular sorocabanos. Por isso foi construída Iguatemi, a famosa fortaleza lã
no longínquo interior do Brasil, no interior do Mato Grosso do Sul às margens do rio Iguatemi. Aí estão as
ruínas a lembrar-nos a valentia, a braveza, a epopeia dos que defenderam
e afirmaram a nossa soberania em Iguatemi, defendida e conquistada tão
penosamente a Espanha, naquela dúbia circunstância e longo período da regência
espanhola dos Felipes, de 1580 a 1640 em que permaneceu
portanto, a partir daí, Agosto de 1580, o glorioso país, iniciador das
navegações e descobertas mais notáveis da história mundial dos descobrimentos,
em mãos da casa real de Espanha, depois do esplendor esfuziante de mais de dois
séculos de glória.
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